Sobre o GT trabalhista

2.14.2007

(Des) Ordem geral dos M<úsicos 07/10/06


(des)Ordem geral dos Músicos 07/10/06

Sem nunca ter tocado piano, repórter vira pianista. OMB também é acusada de forjar apoios e fazer vista grossa a subfaturamento.Por Alexandre Pavan (artigo original da revista CartaCapital ed.185)Não é preciso ser nenhum Chico Buarque ou Hermeto Pascoal para adquirir uma carteira da Ordem dos Músicos do Brasil (OMB) e atuar legalmente na profissão. Não é preciso nem mesmo ser diplomado em conservatório ou universidade. Qualquer pessoa que arranhe algumas notas em um instrumento pode se lançar na carreira artística com o aval da OMB, entidade que possui atribuições semelhantes às da Ordem dos Advogados do Brasil e deveria exercer a defesa da classe e fiscalizar o exercício da profissão.


Para atuar como cantor ou instrumentista, seja numa casa de shows como o Credicard Music Hall, seja num barzinho da Vila Madalena, o músico precisa possuir uma das carteiras da OMB, de músico prático ou músico profissional, e estar em dia com as anuidades. A única diferença entre as carteiras é o tipo de exame. Para adquirir a primeira, um professor avalia as habilidades do músico em seu instrumento. Já para a segunda é preciso conhecer também teoria e solfejo. O repórter de CartaCapital, mesmo sem nunca ter tido uma única aula de piano na vida, submeteu-se ao teste no instrumento e foi aprovado. O exame, realizado na escola de música Keyboard, em Jundiaí (SP), foi aplicado pelo próprio delegado regional da OMB, Marcelo Dantas Fagundes.Na noite anterior ao teste, o repórter pediu a um músico que lhe ensinasse os dois acordes (lá menor e sol) da canção Pra Não Dizer que Não Falei de Flores, de Geraldo Vandré, um dos hinos da MPB contra o regime militar. Antes mesmo de interpretá-la, o jornalista já podia ser considerado um músico. Depois de pagar uma taxa de R$ 260, em dinheiro, e fornecer todos os documentos necessários para a inscrição (quatro fotos 3x4, CPF, RG, carteira de reservista e comprovante de residência), Fagundes emitiu um recibo com carimbo da OMB contendo o nº 24.321, que permitia ao repórter atuar profissionalmente como pianista.

Nota dezSem saber ler partitura, o novo pianista executou dois acordes: "Já está bom", interrompeu o rigoroso examinador.
Só depois o exame foi feito, e não durou nem cinco minutos. "Toque alguma coisa", pediu o examinador. No piano oferecido, com notas desafinadas e teclas travadas, o repórter atacou os únicos dois acordes que conhecia. Pouco depois, o desastre musical foi interrompido pelo delegado regional da OMB com um "já está bom".- Você sabe ler partitura?- Não.- Seria interessante você aprender.O exame foi realizado no dia 29 de janeiro. Dois meses depois, a carteira foi entregue.Nos últimos dois anos, o órgão vem sofrendo pressão de um número considerável de músicos, uns pedindo sua extinção, outros uma reformulação profunda. No coro dos descontentes, as primeiras críticas se referem aos exames para obtenção da carteira e o pagamento das anuidades, que é de R$ 82,40."Defendo a OMB como instituição, mas há muito tempo suas práticas são questionáveis", avalia Marcus Vinícius de Andrade, presidente da Associação de Músicos, Arranjadores e Regentes (Amar-Sombras) e diretor da gravadora CPC-Umes. "A atual administração é prepotente, transformou a concessão de carteirinhas em um grande negócio e não está zelando pela qualidade artística." Filiado à OMB desde 1967 e com as anuidades em dia, Andrade afirma que, por causa da emissão irrestrita de carteiras, muitos amadores estão entrando na profissão. Para ele, isso fica claro quando a situação econômica do País piora. Pessoas que perdem o emprego acabam indo fazer bico de músico em bares só porque conseguem arranhar um violão. "Com isso, a profissão é aviltada e os cachês ficam nivelados por baixo." O presidente da Amar-Sombras culpa também a própria classe musical pela situação. "É preciso entender que existem eleições na OMB e, se a situação está assim há tanto tempo, é porque a classe artística, mesmo descontente, foi incapaz de se organizar." A OMB possui cerca de 50 mil inscritos em todo o País. Desses, pouco mais de 8 mil estão em dia com as anuidades. Em fevereiro de 2000, o departamento jurídico do Conselho Regional de São Paulo emitiu uma carta cobrando os inadimplentes e informando que aqueles que não quitassem seus débitos ficariam automaticamente suspensos do exercício profissional.Indignada com o conteúdo da carta, a Associação da Banda Sinfônica do Estado de São Paulo apresentou uma moção de repúdio, divulgada entre os músicos e pelo site da entidade (www.bandasinfonica.com.br). "Quando colocamos o texto na internet, começamos a receber mensagens de todo o País e descobrimos que a sensação de descontentamento era maior do que pensávamos", afirma o percussionista Saulo de Arruda Camargo, presidente da associação. Ainda no primeiro semestre de 2000, em abril, a Associação da Banda Sinfônica realizou uma assembléia com os 80 integrantes do grupo e decidiu entrar com um mandado de segurança coletivo contra a OMB. A liminar foi concedida, mas logo em seguida cassada. A sentença deve sair ainda este mês.
CarreiraEx-crooner de boate, o presidente da Ordem afirma viver de uma aposentadoria de juiz

Logo depois, um grupo de 11 pessoas entrou com um processo na ação popular contra a Ordem, na 12ª Vara Federal de São Paulo, questionando o subfaturamento de contratos de artistas internacionais (leia abaixo), a cobrança das anuidades da carteira de músico e a acumulação de cargos por parte de Wilson Sândoli, que ocupa as presidências do Conselho Federal da OMB, do Conselho Regional Paulista e do Sindicato dos Músicos de São Paulo. "A ação popular discute interesses públicos e a música, de acordo com a Lei de Incentivo à Cultura, integra o patrimônio cultural do Brasil", explica o advogado e guitarrista Marcel Nadal Michelman, responsável pelo processo. "Então, a OMB, quando deixa de fiscalizar a profissão, não está nem aí para contratos ou fornece carteirinhas para qualquer um que pague, está destruindo a cultura", diz.O andamento da ação, no entanto, está mais lento que um samba-canção. Enquanto os músicos aguardam, o presidente da OMB se defende dizendo que o movimento contrário à sua administração é feito por uma minoria. "Nossos balanços são aprovados pelo Tribunal de Contas da União e as auditorias são feitas. Se estou aqui todos esses anos, não fui nomeado por ninguém, mas sim pelo voto do músico", afirma Sândoli.Sem saber que a revista havia realizado o teste para a Ordem, a Sândoli foi indagado sobre quanto tempo um pessoa deveria estudar piano para passar no exame prático. "Depende da pessoa. Se ela tocar tudo o que a banca examinadora pedir, tira a carteira", afirmou. Sândoli assumiu a OMB em um período conturbado. Em 1964, os principais dirigentes do órgão - maestro José Siqueira, presidente, Constantino Milano Neto, de São Paulo, e Gentil Filho, do Rio - foram destituídos após uma intervenção federal. Os conselhos, que elegem os presidentes, também se dissiparam. Por comodismo ou medo, muitos dos membros resolveram se afastar. Num primeiro momento, a OMB de São Paulo ficou sob intervenção do violinista Raul Laranjeiras, mas logo foi indicado o nome de Sândoli, que havia perdido as eleições para o sindicato naquele mesmo ano. Só em 1966 seriam convocadas novas eleições para os conselhos - e Sândoli permaneceu no cargo.Seu poder político é inversamente proporcional ao de sua carreira artística. Nos anos 50 e no início da década de 60, Sândoli atuou como crooner de algumas casas noturnas no Centro de São Paulo, na época chamadas de táxi-dancings. O presidente da OMB vangloria-se de ter gravado um disco, mas, quando questionado sobre o nome do trabalho, que músicas gravou ou qualquer outro assunto que diga respeito àquele período, ele desconversa: "Isso já faz muito tempo". Naquela época, cantores e instrumentistas paulistanos costumavam se reunir no chamado "ponto dos músicos", os bares da esquina das avenidas Ipiranga com São João, para conseguir serviço. Havia muitas casas de shows, com apresentações contínuas. O rodízio de músicos era grande por não haver vínculo empregatício e o pagamento ser em forma de cachê diário. Sob a condição de ter os seus nomes omitidos, músicos que trabalharam naquele período dizem que Sândoli atuava como agenciador de artistas, isto é, apresentava o músico a determinada casa e ficava com uma parte do cachê.O presidente da Ordem dos Músicos diz que abandonou a carreira de cantor há 15 anos, quando começaram a acusá-lo de só conseguir trabalho porque era o chefe da autarquia.- Mas, se os cargos na OMB são honoríficos, o senhor vive do quê?- Fui advogado e hoje sou juiz aposentado.Há quase quatro décadas dirigindo o órgão, Sândoli apresenta, orgulhoso, a atual sede da Ordem - dois andares no prédio número 138 da avenida Ipiranga, em São Paulo -, que afirma ser sua maior obra. "Está tudo pago, tanto os andares como a reforma, e não se deve um único real para ninguém. Faço uma pergunta: 'No que depende de mim, o que é que eu deveria fazer para o músico que eu não fiz?'", questiona.- A Ordem possui algum acervo ou serviço de documentação de partituras?- Nunca nos preocupamos com isso porque os músicos não se interessam.Para o cantor e compositor Ivan Lins, a OMB deveria fazer muito mais para valorizar o mercado musical, que ele considera "decadente". "É um absurdo, mas o jabá continua existindo. Hoje a música brasileira é medida pelo valor do cheque", indigna-se. Citando o exemplo norte-americano, Ivan Lins acredita que, se a OMB e o sindicato fossem centralizados, a atuação de ambos seria mais eficiente.Outro problema é a administração. "Essa história de Wilson Sândoli estar no cargo há 37 anos me faz lembrar o futebol. Existem pessoas que estão no comando - Ricardo Teixeira, Eduardo Farah - e ninguém sabe direito como funciona o esquema que os sustenta nas posições de chefes há tanto tempo", compara o músico.O cantor Lobão considera a OMB uma "bagunça". "Fui admitido em 1975, quando fiz o teste - que é uma vergonha - e, desde então, pago tudo em dia. Os músicos, porém, não têm benefício nenhum com aquilo. Todo show que faço é sempre uma tensão por causa daquelas notas contratuais, com os fiscais querendo saber quem está em dia com as anuidades", critica.As tais notas contratuais a que o compositor se refere são formulários que todos os grupos musicais precisam preencher - informando o nome dos integrantes e o número de inscrição na Ordem - para poder se apresentar publicamente. Os fiscais só autorizam o show se todos os músicos estiverem em dia com as anuidades. Do contrário, o espetáculo não pode acontecer e, se ocorrer, a casa promotora do evento é multada."Um dia, fui pegar uma nota contratual para um show e não consegui. A burocracia é tão grande que só o Sândoli pode assinar os documentos e, como ele estava viajando, fiquei impossibilitado de tocar", relembra o pianista Osmar Barutti, integrante do sexteto do Programa do Jô. "Não sou a favor da extinção da OMB, mas ela precisa ser um órgão moderno e que contribua com a sociedade e a classe artística", opina. Há dois anos, Barutti acompanhou Marcel Michelman numa visita à sede da Ordem, quando o advogado foi requisitar ao órgão cópias de documentos e contratos de artistas. "O Sândoli saiu da sala dele irritado, abrindo o paletó, esticando o peito e berrando para o Marcel: 'Suma daqui, desapareça, seu moleque!'", relembra o pianista, que na época estava com uma anuidade atrasada.No mesmo dia, Sândoli telefonou para outro integrante do grupo musical de Jô Soares, pedindo para que fosse dado um recado a Barutti. "Ele disse que, se eu não quitasse a dívida, iria 'melar' meu contrato com a TV Globo", conta o músico, que ainda era contratado do SBT. Barutti pagou a anuidade, mas, logo em seguida, assim como outras centenas de músicos, conseguiu na Justiça uma liminar que o isenta do pagamento e o desobriga de ter qualquer vínculo com a OMB. "Acredito que as coisas vão mudar. Tenho fé que essa nova geração vai se mobilizar", confia. Em dezembro de 2000, diante dessa sinfonia de processos e liminares, Sândoli editou uma brochura contendo um abaixo-assinado a seu favor, com cerca de 1.500 assinaturas, e o distribuiu, via correio, para todos os músicos do País. Embora contenha assinaturas de pessoas prestigiadas no meio, o documento é altamente questionável.O nome e a assinatura do baterista aposentado Edgar Teixeira estão impressos no livro, mas ele só tomou conhecimento do documento quando o recebeu em casa, já publicado. O mesmo aconteceu com o pesquisador Ronoel Simões, detentor do maior acervo sobre violão do planeta. "Aquele documento é fajuto porque minha assinatura foi forjada. Eu nunca assinei nada me declarando a favor da OMB", afirma Simões.Questionado sobre a validade do abaixo-assinado, Sândoli brada: "É só o músico dizer que não é a assinatura dele e me processar. O que eu vou fazer? Me processe, estou pronto!" Politicamente, há muito tempo, os responsáveis pela música brasileira não estão tocando no mesmo tom. Enquanto Sândoli tenta justificar a validade das ações de sua longa gestão e a parte descontente da classe musical busca se organizar, em Brasília, o deputado federal Rosinha (PT-PR) quer ver aprovado seu projeto que visa à extinção da OMB - formulado a pedido de artistas paranaenses. O documento já tramitou na Comissão de Trabalho e Serviço Público da Câmara, mas foi rejeitado. Rosinha entrou com recurso e luta para levá-lo a plenário.

Bossa novaJuscelino assinou, em 1960, a criação da Ordem dos Músicos
NO INÍCIO, ATÉ VILLA-LOBOS AJUDOUHoje, no quadro dirigente não há nomes expressivos artisticamenteSe hoje a Ordem dos Músicos do Brasil reúne em seu quadro dirigente nomes pouco expressivos artisticamente, no passado foi bem diferente. Ao ser criada, em 1960, pelo presidente Juscelino Kubitschek, os conselhos regionais e federal eram compostos pela fina flor da música, gente como Heitor Villa-Lobos, Radamés Gnatalli e Francisco Mignone. O idealizador da OMB foi o paraibano José de Lima Siqueira. Ao falecer, na cidade do Rio de Janeiro, em 1985, além de óperas, cantatas e concertos, deixou um currículo de agitador cultural. Compositor, regente, professor e musicólogo, Siqueira criou e dirigiu três orquestras - a Sinfônica Brasileira, a Sinfônica do Rio de Janeiro e a Sinfônica Nacional. Em 1957, resolveu fundar a União dos Músicos do Brasil (UMB) para solucionar uma questão essencial para a classe: a regulamentação e o reconhecimento legal da profissão de músico, que não existia. "Na época, os músicos eram divididos em grupos estanques que não se davam. Fomos até o Villa-Lobos, Eleazar de Carvalho, e conseguimos um grande número de assinaturas - foi um milagre de configuração política", relembra o teatrólogo e violinista Hélio Bloch, sócio número 2 da UMB.Durante um ano, a associação atuou como uma espécie de "CUT musical", agregando os sindicatos estaduais e as bandas militares. Em 1958, o maestro Siqueira, que também era advogado, trocou a batuta pela caneta e redigiu um anteprojeto de lei para a criação da Ordem dos Músicos.O documento foi entregue a JK, no dia de seu aniversário, durante uma alvorada musical. Os artistas queriam que o presidente acordasse para o problema da regulamentação da profissão. E foi o que aconteceu, literalmente. Às 5 da manhã, uma orquestra se instalou nos jardins do Palácio do Catete e, sob a regência de Eleazar de Carvalho, atacou uma apoteótica interpretação da folclórica canção Peixe Vivo.Juscelino sancionou a Lei nº 3.857, que criou a OMB, em 22 de dezembro de 1960, e o primeiro presidente do órgão foi seu próprio idealizador. Siqueira ficou três anos no cargo. Em 1964, com o golpe militar, ele e outros dirigentes regionais da OMB - como Constantino Milano Neto, em São Paulo - foram acusados de pertencer ao Partido Comunista e acabaram destituídos após uma intervenção federal. "Acho que o fato de Siqueira ser um simpatizante atuante das ideologias de esquerda influenciou a inclusão de seu nome na lista negra do regime militar", afirma Bloch.
Só isso? Os Rolling Stones ganharam R$ 215 mil por noite

SATISFACTION A PREÇO DE BANANA Oficialmente, Mick Jagger ganhou R$ 17 mil por show no BrasilA Ordem dos Músicos do Brasil costuma receber 10% do valor dos contratos de artistas estrangeiros que se apresentam no País. Se o cachê de músicos como Madonna e Rolling Stones é milionário, os cofres da OMB deveriam estar recheados, certo? Errado! Na prática, o órgão recebe módicas quantias, e tudo porque os valores de tais contratos são subfaturados. Quem admite isso é o próprio presidente da OMB, Wilson Sândoli. Em 1994, os Rolling Stones receberam R$ 215 mil por cada uma das quatro apresentações que fizeram em São Paulo e no Rio de Janeiro. O cachê de Mick Jagger foi de pouco mais de R$ 17 mil. Sândoli culpa o coordenador de imigração do Ministério do Trabalho, Sadi Assis Ribeiro Filho. "É uma vergonha o valor dos contratos que ele libera."Pela assessoria de imprensa do ministério, Ribeiro Filho responde que não é da sua alçada determinar os valores, e esses ficam a critério das partes interessadas, contratado e contratante.De acordo com o artigo 53 da lei que criou a OMB, os contratos com músicos estrangeiros só podem ser registrados no Ministério do Trabalho depois de provada a realização do pagamento da taxa de 10% sobre o valor do documento e o recolhimento da mesma no Banco do Brasil, em nome da Ordem e do sindicato local, em partes iguais."O problema é que os documentos já nos chegam assinados pelo coordenador de imigração. Chegam até contratos no valor de R$ 500", afirma Sândoli. O advogado da OMB, Humberto Perón, diz que Ribeiro Filho tem se recusado a recebê-lo para discutirem o assunto. Por outro lado, a entidade musical torna-se conivente porque, mesmo questionando os valores, acaba autenticando os documentos. "Se não assinarmos, o evento acontece do mesmo jeito, porém a gente não recebe a taxa. E é melhor receber 10% de pouco do que 100% de nada", declara Perón.

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