Sobre o GT trabalhista

6.14.2005

Max Weber e a Ordem dos Músicos do Brasil

Caros amigos do Fórum da Música Nacional,

Este texto foi um exercicio teorico desenvolvida na disciplina de Teoria Sociólogica, na época que estava no Mestrado em Políticas Públicas no Estado do Ceará. Aproveito a oportunidade para socializá-lo com vocês.
Grande abraço
Amaudson Ximenes


Max Weber e a Ordem dos Músicos do Brasil

Por: Amaudson Ximenes Veras Mendonça


No dia 24 de novembro do 2002 aconteceram eleições na Ordem dos Músicos do Brasil, seção Ceará. Em nossa ótica, trata-se tão somente de um mecanismo de legitimação, de dominação da instituição sobre os músicos do Estado do Ceará.
Para tanto, buscaremos fundamentar nossa afirmação no clássico "Economia e Sociedade" de Max Weber mais precisamente nos três tipos puros de dominação (racional-legal, tradicional e carismática).
A princípio, definiremos um pouco de cada conceito para em seguida estabelecermos um diálogo entre o pensamento weberiano e a OMB. O tipo de dominação racional-legal tem por fundamento a crença na validade dos regulamentos estabelecidos racionalmente e na legitimidade dos chefes designados por lei. O segundo, denominado tradicional, tem por base a crença na santidade das tradições em vigor e na legitimidade dos que são chamados ao poder em virtude de costumes e tradições. O carismático é baseado em poderes e qualidades sobrenaturais de um líder religioso, político ou profeta.
Em se tratando do objeto em discussão, trata-se de uma autarquia[1] federal, criada pela lei 3857/1960 constituída por um quadro administrativo burocrático e hierarquicamente definido. Quer dizer: os músicos estão submetidos ao poder de uma "lei federal"[2], criada para selecionar, disciplinar e regulamentar a profissão em todo o país.
Assim, para exercer a profissão ou simplesmente tocar qualquer instrumento, os músicos têm que estar inscritos nos Conselhos Regionais de seus respectivos estados. Em caso de desobediência às normas estabelecidas, se submeterão a processos judiciais por estarem exercendo a profissão ilegalmente. Portanto, está explícito, um exemplo típico de dominação racional-legal.
Mesmo sendo uma instituição regida por critérios legais, prevalece nos Conselhos espalhados pelo Brasil, relações baseadas no patrimonialismo[3], na informalidade, em modelos tradicionais de dominação. A lei 3857/60, que deveria reger uniformemente as regras de exercício da profissão no Brasil é flagrantemente burlada pelos próprios funcionários, que por sua vez não obedecem aos seus estatutos, e sim à pessoas indicadas (fiscais, delegados, interventores da instituição) pela tradição ou pelo senhor tradicionalmente determinado. Inexiste neste caso a separação entre a esfera pública e a privada, ou seja, não há distinção entre os interesses pessoais do administrador e os interesses públicos ligados ao cargo ocupado pelo mandatário do respectivo Conselho regional.
Um exemplo recente[4]: os critérios de escolha dos funcionários da OMB de Sobral, recrutados, não por possuírem capacidade, competência profissional, conforme reza os modelos das burocracias modernas[5]. O que prevalece como critérios mais importantes são os tipos atléticos capazes de intimidar os músicos. Outro fator preponderante: é o fato de serem homens de confiança do Delegado do município[6]. O suposto status, as vantagens obtidas com o referido cargo, faz com que cada vez mais pessoas alheias aos interesses da categoria sejam hegemônicas nos quadros da instituição.
Desta feita, os valores que os músicos deveriam recolher a instituição através de agências bancárias, conforme a lei 3857/60, são recebidos informalmente, através de propinas. Os valores são negociados livremente entre: músicos, proprietários, produtores e funcionários da instituição. Quer dizer, as receitas em vez serem revertidas em benefício da categoria, servem para beneficiar os grupos que se formam em torno dos dirigentes da instituição, se constituindo num exemplo flagrante de inversão do público em privado.
Conforme reza os seus estatutos[7], os mandatos devem possuir um período de duração. Entretanto, no Conselho Federal e Regionais, prevalecem dirigentes com mais de dez anos à frente dos respectivos Conselhos. Leia-se: exemplo clássico do dirigente maior da instituição, no cargo há mais de trinta e oito anos[8].
Diante do exposto, percebe-se no seio da instituição traços de dois tipos puros de dominação: o racional-legal e o tradicional, prevalecendo o modelo tradicional de poder. Portanto, os mecanismos dominação utilizados pela instituição não são totalmente puros.

Bibliografia consultada:
FREUD, Julien - Sociologia de Max Weber, Forense-Universitaria, Rio de Janeiro, 4ª edição, 1987.
SOILBELMAN, Leib - Enciclopédia do Advogado, Editora Rio, Rio de Janeiro, 3ª edição, 1981.
WEBER, Max - Economia e Sociedade, Editora UNB, Brasília, 1991. (tradução Régis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa).





[1] As autarquias administrativas constituem uma forma descentralizada da ação estatal, podendo auto-administrar-se mediante dirigentes nomeados pelo próprio Estado...A natureza da autarquia é a de pessoa jurídica de direito público interno administrativo...No Brasil, o aparecimento da autarquia é recentíssimo, bastando dizer que o Código Civil, que entrou em vigor em 1916, ainda não prevê, atribuindo reconhecimento tão-somente à União, aos Estados-membros, aos Municípios e ao Distrito Federal...Os funcionários das autarquias não se confundem com os funcionários públicos, devendo ser denominados servidores autárquicos, sendo contudo, equiparados aos funcionários públicos para efeitos penais (Acquaviva: 1993: p.193). "É o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da administração pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada (decreto-lei nº 200, de 25.2.67, art. 5º, Inciso I)" (Soibelman: 1981: p.43).
[2] Principal argumento de dominação racional-legal utilizado pelos fiscais da OMB no momento da abordagem a músicos, produtores e proprietários de casa de shows.
[3] O patrimonialismo é a mais corrente forma do domínio tradicional. Aproxima-se da burocracia pelo fato de recusar também o excepcional e de ser uma instituição durável e contínua, embora a norma preexistente à qual ele se refere não tenha nada de racional nem de técnico, mas possua um conteúdo concreto, a saber a validade do costume considerado como inviolável (Freund apud Max Weber, pág. 174) .
[4] Câmara realiza Audiência Pública com músicos, O Noroeste, Sobral, 4 de maio, 2002. Ver também: Músicos não querem a Ordem, Expresso do Norte, Estação Cidade, Sobral, 4 a 10 de maio, 2002.
[5] "O domínio legal consiste em um empreendimento contínuo de funções públicas instituídas por leis e distribuídas em competências diferenciadas...A aplicação desses inúmeros regulamentos exige uma equipe de funcionários qualificados, que não são donos de seus cargos, nem tampouco dos meios da administração...O que falta numa administração dessas é a competência controlada segundo critérios definidos, a formação especializada, a hierarquia" (Freund apud Max Weber, p.167/168).
[6] "Não são os deveres objetivos do cargo que determinam as relações entre o quadro administrativo e o senhor: decisiva é a fidelidade pessoal de servidor...Ao quadro administrativo da dominação tradicional, em seu tipo puro, faltam: a) a 'competência' fixa segundo regras objetivas; b) a hierarquia racional fixa; c) a nomeação por contrato livre e o ascenso regulado; d) a formação profissional (como norma); e) (muitas vezes) o salário fixo e (ainda mais freqüentemente) o salário pago em dinheiro (Weber: 1991: p.148/149).
[7] Art.6° - As eleições para o Conselho Federal, serão feitas mediante chapa composta de 09 (nove) candidatos a Conselho Federal e 03 (três) suplentes, sem discriminação dos cargos da Diretoria Executiva, que serão providos na primeira reunião ordinária do órgão, após a posse dos eleitos.
§ 1° - Considera-se eleita à chapa que obtiver a maioria simples dos votos válidos.
§ 2° - Os suplentes de Conselho Federal, serão eleitos juntamente com os titulares.
§ 3° - Os Conselhos Federais eleitos iniciam seus mandatos no mesmo dia proclamação do resultado das eleições.

8 Durante o regime militar o maestro e fundador da OMB, José de Lima Siqueira (acusado de pertencer ao Partido Comunista) seria deposto. Em seu lugar seria nomeado o juiz federal e militar aposentado Wilson Sandoli, que em carta distribuída nos meios de comunicação da época não escondia de ninguém qual seria o seu papel à frente da instituição: vigiar e punir os inimigos da "Segurança Nacional" (O Estado de São Paulo, Caderno 2, dia 14/04/2001 e Carta Capital, 17/04/2002).