Sobre o GT trabalhista

3.31.2006

JB on line


Luta de classe afinada

Artistas levam grande público à Lapa em show contra direção da Ordem dos Músicos do Brasil
Nelson Gobbi
[29/MAR/2006]
O espaço não poderia ser mais apropriado para um show em defesa de uma Ordem dos Músicos do Brasil mais democrática: os Arcos da Lapa, local que sempre acolheu as mais diversas manifestações artísticas. De forma tímida, o público se aproximava do espaço ao redor do palco, enquanto os técnicos de som e músicos acertavam os últimos detalhes. Pouco depois das 16h de anteontem, hora marcada para o início do show Fora de Ordem - que começou apenas às 17h20 - o céu fechado desencorajava curiosos que interrompiam seu trajeto ante à inusitada movimentação e fãs das atrações programadas para subir ao palco até o fim da noite. Mas logo as nuvens dissiparam, abrindo espaço para as estrelas que se reuniram para cantar, tocar e protestar.

A linguagem musical uniu representantes do samba, do rock, do soul/funk e da música clássica. Mas as faixas afixadas ao palco - Música é liberdade!, Uma vida melhor, Dignidade profissional - não deixavam dúvidas sobre o caráter de mobilização política do evento. O embate entre os artistas reunidos no show pelo Fórum Permanente de Música do Rio de Janeiro e a administração da OMB - cuja representação regional cassou, no fim do ano passado, o registro profissional do músico Eduardo Camenietzki, que encabeçava um abaixo-assinado contra a antecipação das eleições da entidade - foi esmiuçada ao público em depoimentos de medalhões como Beth Carvalho, Chico Buarque e o próprio ministro da Cultura Gilberto Gil, exibidos em telões ao lado do palco.

Mas os ídolos que levaram um número surpreendente de pessoas à Lapa numa segunda-feira à noite também se mostraram afinados com o discurso de seus pares:

- Espero nunca mais ouvir falar que nossa classe é desunida - defendeu o sambista Jorge Aragão.

Alcione engrossou o coro dos descontentes:

- Estamos aqui para cantar e protestar contra o que fazem com os músicos. Precisamos criar leis que nos protejam.

Ivo Meirelles, que se apresentou com seu grupo Funk'n Lata, ressaltou a necessidade da regulamentação profissional:

- Temos que deixar de ser marginais e ter uma profissão realmente regulamentada. Porque no Brasil o artista sem projeção continua sendo marginalizado.

Zélia Duncan fez uma mea culpa da classe:

- Falar mal de tudo é fácil. Difícil é sair de casa para protestar. Temos que melhorar nossa idéia sobre a profissão. Parece que essas questões só importam para quem não está sob os holofotes.

Frejat, que tocou acompanhado dos demais integrantes do Barão Vermelho, além de Zélia Duncan e Jards Macalé, destacou a presença do público, mas disse que o show foi importante para a própria mobilização dos artistas.

- As pessoas que estão assistindo não precisam entender completamente as questões envolvendo os músicos e a Ordem. Mas é ótimo que elas estejam participando junto conosco. Nossa profissão tem o privilégio de levar diversão ao público, mesmo quando estamos protestando - brincou o cantor.

Lenine também elogiou a união em torno de uma causa comum:

- A gente está sempre negligenciando os problemas profissionais por conta do trabalho, das viagens, da família. Esta noite foi uma prova de coesão, um exemplo de mobilização profissional. E o mais importante é que não houve um fundo político, foi um movimento da classe.

Como destacou o cantor pernambucano, nenhum político subiu ao palco para discursar junto aos músicos. Ainda assim, muitos deles apoiaram o protesto, como os deputados Fernado Gabeira (PV), Carlos Minc (PT) e Jandira Feghalli (PC do B).

- Estou aqui como política e baterista, registrada na OMB desde 1970. Vamos fazer dessa movimentação um instrumento para agilizar no Congresso projetos para a área, desde da lei antijabá até medidas que permitam mudanças na OMB - adiantou a deputada.

Camenietzki, que fez um discurso inflamado contra os dirigentes da OMB, afirmou que o show de anteontem foi apenas o primeiro passo para uma mobilização de maior porte:

- Os fóruns dos outros estados sugeriram que o Fora de Ordem se torne um evento anual, com uma participação mais ampla de artistas de todo o Brasil.

O GLOBO -
SEGUNDO CADERNO

Rio, 29 de março de 2006
Versão impressa

Eduardo Fradkin
LUTA DE CLASSE REÚNE A NATA DA MÚSICA POPULAR NA LAPA
Zélia Duncan e Macalé deram uma palhinha no show do Barão Vermelho, no mesmo palco por onde haviam passado Lenine, Jorge Aragão, Alcione e dezenas de outros. E onde, até 0h30m de ontem, tocaram também Ivo Meirelles e Funkn Lata, Beth Carvalho e Toni Garrido. Todos sem ganhar cachê, num show gratuito na Lapa, graças à Ordem dos Músicos do Brasil. Foi um show de desagravo a essa instituição, visto por mais de mil pessoas.Alguns artistas fizeram discursos no palco pedindo mudanças na OMB, que tem a mesma direção nacional há quatro décadas, desde a ditadura. Os mais contundentes, entretanto, foram de convidados ausentes. Seus depoimentos foram exibidos num telão.Foram três: Chico Buarque disse que nos últimos 40 anos a entidade nunca esteve presente, a não ser para cassar a carteira de um músico recentemente; Beth Carvalho contou já ter sido intimidada pelo presidente federal da ordem; Gilberto Gil foi mais diplomático e afirmou que gostaria de ver essa discussão na Câmara Setorial de Música, entidade em criação, ligada ao governo federal. Parte do público vaiou o ministro ao vê-lo no telão.Nos bastidores, Frejat cobrou: Muita coisa já foi discutida e acordada na Câmara Setorial. Falta o governo implementar.Na platéia, os deputados federais Jandira Feghali (PCdoB) e Fernando Gabeira (PV-RJ) e o estadual Carlos Minc (PT) deram apoio à causa dos músicos.